O currículo da Educação Infantil com Ciência crítica
São recentes os questionamentos e pesquisas que defendem a construção teórica do currículo como Ciência crítica. Dentro de uma perspectiva histórica relacional. Estudiosos investigam a realidade das salas de aula, contrapondo-se a idéia de um currículo pré-determinado, imbuído de ideologias instrumentais que desconsideram o aluno como parte integrante do currículo.
Ao contrário do currículo natural cujos meios separam-se dos fins em um modelo burocrático e tecnicista; o currículo crítico surge para trabalhar na escola as questões políticas, sociais e históricas dentro de um contexto concreto e não em abstrações teóricas. Nesta perspectiva, podemos destacar Aplle, Giroux, Freire e Faundez, autores que contribuíram para elucidar no sentido de alertar os educadores para as questões do reprodutivismo na educação.
A oposição ao reprodutivismo, e contestação frente a uma sociedade dominadora (que entende a escola como formadora de sujeitos passivos), são características que fazem do currículo crítico um mecanismo de construção de sujeitos autônomos que constroem conhecimento.
O currículo crítico defendido por estudiosos e autores como Paulo Freire, no Brasil, alertam para a reflexão da finalidade do currículo natural, que seria um instrumento de controle social, incitando valores morais, hábitos “adequados” para enquadramento em uma sociedade já estabelecida.
Na tradição crítica, a cultura não é vista de maneira inerte e imposta através da escola, mas sim entendida em permanente construção, pela qual o sujeito vivencia e é parte desta cultura, transformando-a. Como sinaliza SILVA, 1990: “... a questão do currículo não pode ser tratada independentemente do conhecimento e da cultura”. (SILVA, 1990). O autor fala das idéias de Freire e sua maneira de definir currículo, sendo este, parte integrante do conhecimento e da cultura.
Apesar de todas as transformações importantes na educação, e consequentemente na história do currículo, ainda temo temos uma organização curricular centrada nas disciplinas tradicionais, que isoladas cumprem seu papel. O currículo, assim como a escola, ainda está obsoleto frente às transformações constantes na vida dos alunos; portanto mesmo o currículo crítico exige reflexão e novos elementos que acompanhem estas inovações.
As transformações no currículo de Educação Infantil
O atendimento à criança de 0 a 6 anos no Brasil existe a mais de cem anos e vem percorrendo um longo caminho repleto de lutas e conquistas. Embora a mais de um século estejamos participando destas vitórias e conquistas na área da Educação Infantil, apenas no final da década de 1980 esse atendimento ganhou espaço e reconhecimento educacional dentro das leis que regem o país.
A Constituição Federal (1988, artigo 208, inciso IV) determina quer o dever do Estado com a educação e especificamente com a Educação Infantil será efetivado mediante a garantia de atendimento em creches e pré-escolas as crianças de 0 a 6 anos. Mesmo após a Constituição Federal, foi pouca a movimentação para garantir o direito à educação das crianças com até 6 anos de idade.
Somente após a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96), no seu artigo 29, onde diz que: “A Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade’; e com os estudos referente a importância desta primeira etapa da vida para o individuo é que as mudanças efetivas, tanto na questão do discurso e na prática pedagógica, começaram a se evidenciar.
Mas a concepção de que a criança é um adulto em miniatura, que pode ser moldada de acordo com um modelo pretendido ainda prevalece a Educação Infantil não é tratada como um processo contínuo. As antigas concepções de que nas creches (zero a três anos), deveriam predominar os cuidados com a higiene, a saúde e a alimentação, e de que nas pré-escolas (quatro, cinco e seis anos), se prepara para o Ensino Fundamental, permeiam a pratica de muitos profissionais da educação. As instituições de cunho altamente assistencialista não cedem lugar para que seja realizado um trabalho que vá de encontro com a real necessidade das crianças.
Conforme o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (1998),
“A criança como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e faz parte de uma organização familiar que está inscrita em uma sociedade, como uma determinada cultura, em um determinado momento histórico. É profundamente marcada pelo meio social em que se desenvolve, mas também o marca...” (RCNEI, 1998, p. 21, vol. I).
Portanto, compreende-se que o trabalho na Educação Infantil, é promover o desenvolvimento integral da criança em sua totalidade, em todos os aspectos, onde seja vista como um ser bio-psico-social, que merece ser respeita como um ser de direitos e deveres, como um indivíduo singular, único, competente, que faz parte de um meio sócio-historico-cultural, que produz a sua cultura.
Por sua vez, as crianças de 0 a 6 anos encontram-se em uma fase da vida em que dependem intensamente do adulto para a sua sobrevivência, precisam ser cuidadas e educadas, além de condições para usufruírem plenamente suas possibilidades de apropriação e de produção de significados do mundo da natureza e da cultura.
Segundo o RCNEI, o desenvolvimento da criança depende de um ambiente favorecedor, onde haja disponibilidade de escuta por parte dos adultos, e de sua intervenção sempre que necessária. Portanto, o papel do educador é estar atento as necessidades específicas de cada criança, aos seus interesses, desejos, para que possa ajudá-las a se desenvolverem, se conhecerem , integrarem-se na sociedade e construírem sua própria história de vida.
O Planejamento na Educação Infantil
As questões do currículo de Educação Infantil suas especificidades, bem como a forma como o planejamento é concebido por educadores da Educação Infantil vem sendo tema de constantes discussões e controvérsias.
A forma como o professor organiza seu trabalho, sistematiza suas ações do dia a dia, aponta para a concepção de criança que conhece como também que tipo de sujeito quer ajudar a formar.
A reflexão acerca da verdadeira finalidade do planejamento é fundamental para elucidar a intencionalidade das práticas educativas. Também analisar no sentido de conseguir perceber se subjacente as ações encontram-se tendências tecnicistas que transformam o planejamento do ensino em uma atividade mecânica e burocrática, ou, dentro da perspectiva do currículo crítico, que concebe o sujeito como ator e autor de sua própria história.
Nas práticas educativas no cotidiano da Educação Infantil comumente observamos vários tipos de planejamento, ou seja, várias formas de se conceber a criança e consequentemente traçarem metas para alcance dos objetivos pretendidos. A seguir alguns exemplos de planejamentos adotados por educadores de educação Infantil.
- Datas comemorativas
Tem uma finalidade apenas momentânea, já que este tipo de planejamento visa a comemoração de datas estipuladas até mesmo vezes pelo comércio. As instituições utilizam-se do calendário para elaborar seqüências de atividades descontextualizadas.
- Seqüência de atividades
Quando o ato de planejar não leva em conta o interesse do aluno e não está aberto aos aspectos da realidade, bem como de todo o contexto social, cultural e histórico do aluno o professor passa a estipular tarefas diárias, como tarefas a serem cumpridas mecanicamente para o dia de aula terminar.
- Planejamento baseado em aspectos do desenvolvimento
Este tipo de planejamento visa trabalhar os aspectos que englobam o desenvolvimento infantil, abrangendo os aspectos físico-motor, afetivo, social e cognitivo.
- Planejamento baseado em temas geradores, centros de interesse...
É o planejamento cuja atividade desencadeadora ou tema gerador serve de norteadora das demais atividades do cotidiano escolar segundo os interesses da criança ou do professor.
- Planejamento baseado em conteúdos organizados por áreas do conhecimento
Possibilita ao professor maior consistência ao trabalho com projetos ou temas, já que as atividades desencadeadoras devem pertencer a determinadas áreas do conhecimento, dando mais segurança ao educador para que possa fazer as devidas articulações.
Embora seja notória a preocupação com a Educação Infantil e a quebra constante de paradigmas assistencialistas, ainda há muito a percorrer em direção a uma educação Infantil de qualidade. Várias são as formas de ensinar as crianças pequenas, já que os caminhos são inúmeros. As questões de currículo, planejamento, avaliação nesta primeira etapa da Educação Básica suscitam comentários e controvérsias tendo em vista que as especificidades da Educação Infantil consideram segundo o RCNEI(1998), os cuidados e a educação são indissociáveis.
Pensar e refletir o planejamento, bem como todo o currículo da Educação Infantil requer estar ciente de que “o pedagógico”, ou “a hora da atividade”, não são as únicas situações de aprendizagem na instituição, não sendo a única coisa a ser levada em conta, e consequentemente avaliada.
O currículo de Educação Infantil não carece somente de planejamentos bem elaborados e atualizados, mas de comprometimento do professor com sua prática, e consciência de entender para quem planeja. Às vezes é preciso mudar a direção, e se aventurar em caminhos desconhecidos, visto que, não se elabora um planejamento com auxílio de uma fôrma, pois cada indivíduo é único, que forma um grupo heterogêneo.
REFERENCIAS:
BRASIL. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Editora do Brasil.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
SILVA, T.M.N. A construção do currículo na sala de aula: O professor como pesquisador. São Paulo: EPU, 1990.
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